[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

[1268.] CÂNDIDA VENTURA [III]

* CÂNDIDA MARGARIDA VENTURA *

 [30/06/1918 - 16/12/2015]

Cândida Ventura faleceu ontem, aos 97 anos.

Hoje, ao ler-se  a imprensa online constata-se que alguns textos necrológicos sobre Cândida Ventura terão "bebido" num escrito biográfico aqui publicado em 20 de Junho de 2014 e devidamente assinado com as iniciais JE, sem que se vislumbre referência ao autor ou à fonte. 

Nada que surpreenda, atendendo ao estado a que o jornalismo e a imprensa chegaram.

Republica-se aqui o texto, com escassos acrescentos, sobre Cândida Ventura e que faz parte de um projeto de investigação mais amplo e que inclui outras biografias já afloradas.


Nasceu em Moçambique, na cidade de Lourenço Marques, a 30 de Junho de 1918, filha de António Ventura, funcionário dos caminhos-de-ferro, e de Clementina de Deus Franco Pires Ventura, mas cresceu nas Caldas de Monchique, no Algarve. As influências do pai, então funcionário da administração das termas de Monchique que “inculcou nos filhos o amor pela natureza, doando-nos a rectidão do seu carácter, a sua bondade, a compreensão, o diálogo e o respeito pelos outros como base das relações humanas” [O Socialismo que eu vivi, p. 21], e dos seus amigos, entre os quais se contavam o Dr. Rui Teles Palhinha e o poeta algarvio Cândido Guerreiro, marcaram a maneira de ser e de pensar de Cândida Ventura, estimulando-lhe o interesse pela História e pela Filosofia, para além da política. Como a mãe era professora primária, em 1929, com 11 anos, partiu para Lisboa e ficou no Instituto do Professorado Primário, fundado e dirigido por Amália Luazes. Estudou no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho, ainda no Largo do Carmo, onde “foi de grande importância para mim a influência de professoras como Ema de Oliveira, Olímpia Bastos, Margarida Pinto, Seomara da Costa Primo (assistente do Dr. Rui Teles Palhinha)” [idem, p. 22], e em 1936 matriculou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras de Lisboa, onde conviveu, entre outros nomes, com Mário Dionísio [16/07/1916 - 17/11/1993], Vasco Magalhães-Vilhena [1916-1993] e Fernando Piteira Santos [23/01/1918 - 28/09/1992], com quem se casou muito nova. No novo meio académico, marcado pelos acontecimentos trágicos da Guerra Civil de Espanha, iniciou a sua vida política e, tal como os dois irmãos, Joaquim Pires Ventura e Maria Clementina Ventura Campos Lima [n. 19/06/1917], aderiu ao Partido Comunista Português, numa militância activa que perdurou por quatro décadas, até Agosto de 1976, desempenhando, de forma continuada, funções políticas relevantes. Pertenceu à Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas – trabalhou com Álvaro Cunhal, cinco anos mais velho, em 1937-1938 –, integrou o Bloco Académico Antifascista (BAAF), organização ilegal e clandestina criada em finais de 1935 que visava combater o fascismo e o governo salazarista, e a Federação Académica de Solidariedade, foi a responsável do Socorro Vermelho Internacional na sua Faculdade e actuou na Associação Feminina Portuguesa para a Paz e no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas. Fez parte da redacção do jornal O Diabo, participou, com outros jovens intelectuais e activistas, nos passeios de barco pelo rio Tejo de características culturais e políticas, realizados nos anos de transição da década de 30 para a de 40, e apoiou, em 1940-1941, os reorganizadores do Partido Comunista Português. Em 1943, no mesmo ano em que concluiu o Curso de Ciências Histórico-Filosóficas na Universidade de Coimbra e teve papel de destaque na preparação e orientação das greves do calçado de S. João da Madeira, ocorridas em Agosto, passou à clandestinidade por proposta de José Gregório, tornando-se na primeira mulher com funções directivas após a recente reorganização. Sucedeu a Joaquim Pires Jorge enquanto responsável do PCP na zona Norte e, como tal, chegou a viver nas casas do Porto de Nina Perdigão e de Alexandre Babo, que já a conhecia desde os tempos do BAAF e a considerava “para a nossa geração uma referência determinante, quase um mito, ligado à sua luta, à sua coragem e até à sua beleza” [Alexandre Babo, p. 244]. Participou na reunião ampliada do Comité Central realizada, em Maio de 1945, na Casa da Granja; interveio no II Congresso Ilegal, realizado numa casa da Lousã em Julho de 1946, onde passou a integrar, como suplente (1946) e depois como efectiva (1957), o Comité Central, apesar de em Março de 1954, na sua V Reunião Ampliada, ter sido acusada de actividade fracionária, suspensa e readmitida em 1956. Desenvolveu tarefas na organização operária de Lisboa, foi a responsável pela criação do boletim 3 Páginas, órgão especificamente dedicado às mulheres clandestinas das casas do Partido, e em Abril de 1958 saiu ilegalmente do país para visitar a União Soviética. 


Presa a 3 de Agosto de 1960, ao fim de 18 anos de vivência clandestina no país, recolheu ao Forte de Caxias. Julgada pelo Tribunal Plenário de Lisboa a 13 de Maio de 1961, foi condenada a cinco anos de prisão maior, suspensão de direitos políticos por 15 anos e medida de segurança de internamento, indeterminado, de seis meses a seis anos. 



Libertada, por questões de saúde, a 11 de Julho de 1963, casou, em 5 de Maio de 1964, com Orlando Lindim Ramos, preso em Peniche, partiu, nesse mesmo ano, para o estrangeiro e retomou a actividade política. A partir de 1965, viveu na Checoslováquia enquanto representante do Comité Central naquele país e na Revista Internacional, sob o nome de Catarina Mendes. Aí conviveu com José Gregório e Amélia do Carmo, acompanhou por dentro os acontecimentos relacionados com a “Primavera de Praga”, afirmando posteriormente ter discordado das posições oficiais então assumidas pelos dirigentes partidários, e viu a filha Rosa juntar-se-lhe em 1969, quando tinha dezassete anos. Regressou a Portugal ao fim de dez anos, no início de 1975, e no ano seguinte consumou a ruptura com o Partido de décadas. Usou os pseudónimos “Joana”, “André”, “Maria” e “Catarina Mendes” e colaborou no Avante!. Após o afastamento do PCP, manteve intervenção política e cívica noutros quadrantes político-partidários e trabalhou como professora e funcionária do Ministério dos Negócios Estrangeiros antes de voltar ao seu Algarve e fixar residência em Portimão. Aqui, preocupou-se, entre outros aspectos, com a integração da comunidade oriunda dos Países de Leste. Escreveu, em 1984, o livro O Socialismo que eu vivi. Testemunho de uma ex-dirigente do PCP, com Prefácio de Artur London, com apontamentos memorialistas por vezes contraditórios, como sublinhou Linda Kondrátová, e em que é privilegiado o período posterior a 1968 em detrimento da rica militância anterior. 

Rose Nery Nobre de Melo inseriu a sua “Biografia Prisional” no livro Mulheres Portuguesas na Resistência


Mário Dionísio lembrou-a, enquanto “Joana de olhos claros”, em Balada dos Amigos Separados, embora posteriormente, na Autobiografia, se tenha revelado crítico  do seu percurso posterior [pp. 71-72]. 

Pacheco Pereira, na trilogia dedicada à biografia política de Álvaro Cunhal, inseriu fotografias suas, nomeadamente uma num dos passeios de barco pelo rio Tejo.

[João Esteves]

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