[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

quinta-feira, 30 de julho de 2015

[1045.] MARIA FERNANDA CORTE REAL GRAÇA E SILVA [III]


A reconstrução de biografias de ativistas é um ofício inacabável e quando se trata de nomes silenciados pelo tempo a tarefa revela-se difícil e morosa.

Retoma-se novamente o esboço biográfico da "abrantina" Maria Fernanda Corte Real Graça e Silva, nome que o Blogue Cidadãos Por Abrantes deu o devido relevo, subentendendo-se que muito mais haveria a dizer. Tornou-se agora possível colmatar algumas lacunas a partir do livro Mulheres Contra a Ditadura, de Cecília Honório [Bertrand, 2014]. Muito continua por dizer, sobretudo na parte referente ao período posterior ao 25 de Abril de 1974.

Filha de Emília de Mascarenhas Corte Real Graça e Silva, com raízes numa família abastada, monárquica e conservadora do Algarve, e do republicano Henrique Augusto da Silva, advogado e conservador do Registo Civil de Beja, nasceu em Setúbal a 1 de Outubro de 1925. 

Frequentou o Colégio do Sagrado Coração de Jesus entre a 1ª classe e o 3º ano, quando passou para um liceu estatal, e cursou Direito na Universidade de Lisboa. 

Começou cedo a sua militância política, a que não terá sido alheia o republicanismo e antisalazarismo do pai, bem como a perseguição a este movida pelas autoridades do Estado Novo por ter assinado as listas do Movimento de Unidade Democrática e o convívio com oposicionistas comunistas. 

Na Faculdade, fez parte do MUNAF, a convite de um colega de Direito; em 1945, com 19 anos, associou-se ao numeroso grupo de estudantes que aderiu ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, "com o cartão n.º 416" [Cecília Honório]; no ano seguinte, integrou a Comissão Central do MUD Juvenil com, entre outros, António Abreu, Francisco Salgado Zenha, Júlio Pomar, Mário Sacramento, Mário Soares, Octávio Pato e Rui Grácio, sendo a única mulher; e conheceu o futuro marido, Orlando Rodrigues Bento Pereira, estudante do 2.º ano e dirigente estudantil ligado ao Partido Comunista. 

Data de então a sua adesão a este, fazendo-se a intervenção no âmbito daquela organização juvenil, onde foi a única mulher a ter lugar na primeira direcção composta por dez homens, tendo-se evidenciado enquanto "organizadora por excelência" e como oradora, discursando em diversas sessões do MUD e do MUD Juvenil. 

Vigiada desde 1946 pela PIDE, tanto politicamente como na vida privada, foi presa enquanto dirigente do MUD Juvenil por duas vezes: a primeira ocorreu em Évora, juntamente com Júlio Pomar, a 27 de Abril de 1947, sendo libertada quatro meses depois, não podendo então concluir o curso. Por sua vez, Orlando Pereira seria preso dois dias depois, a 29 de Abril, e libertado a 14 de Agosto de 1947. 

A segunda prisão deu-se quando já era funcionária do Partido Comunista, sendo detida em Beja em 24 de Abril de 1948: recolheu mais uma vez ao Reduto Norte do Forte de Caxias e saiu em liberdade condicional passados três meses, em 29 de Julho, por a sua saúde inspirar cuidados. O seu advogado era Manuel João da Palma Carlos.

Em 1949, apoiou ativamente a campanha presidencial de Norton de Matos e foi julgada inicialmente pelo Tribunal Plenário de Lisboa em 15 de Março, sendo condenada a 40 dias de prisão correccional e suspensão de todos os direitos políticos por três anos. No entanto, a sentença seria agravada para 100 dias de prisão correccional, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Julho de 1950. 

Casou neste ano e a partir de 1951 a militância foi-se desvanecendo em resultado de passar a residir com a família em Abrantes, para onde o marido fora tomar conta de um escritório de um advogado amigo.

No entanto, em 1958 interveio na candidatura de Arlindo Vicente, tendo discursado em 18 de Fevereiro numa sessão em Alpiarça; em 1961, o marido foi candidato às eleições por Santarém pela Oposição Democrática; e Maria Fernanda voltou a participar ativamente na campanha eleitoral de 1969, sendo oradora no comício realizado pela CDE em Santarém a 4 de Outubro de 1969. Neste mesmo ano, "declarava o seu apoio à luta dos estudantes" [Cecília Honório] de Coimbra.

A vigilância da PIDE/DGS manteve-se, pelo menos, até 1972, sendo que, segundo nota de Cecília Honório, "em 20 de Abril de 1972 regista-se o envio de duas fotos ao Posto de Santarém e identifica-se o seu filho, Orlando Rodolfo" [CH, Mulheres Contra a Ditadura]. 

Na sequência da revolução de Abril de 1974 e da nomeação do marido como notário, partiu para Lisboa. Só então concluiu o curso, tantas vezes adiado ora por questões políticas, ora pelo nascimento dos filhos. 

Na capital, retomou as ligações partidárias, leccionou no Liceu Passos Manuel a disciplina de Introdução à Política e exerceu, por escasso tempo, a advocacia num escritório particular. 

O quarto volume de Presos Políticos no Regime Fascista insere cópia da sua “Biografia Prisional”, incluindo as três habituais fotografias enquanto presa política. 

Vanda Gorjão entrevistou-a para o seu trabalho Mulheres em tempos sombrios. Oposição feminina ao Estado Novo, citando-a com frequência. Trata-se, aliás, de uma obra imprescindível para compreender o percurso pessoal, político e profissional de Maria Fernanda Silva, bem como das mulheres oposicionistas da mesma geração. 

Mais recentemente, em 2014, Cecília Honório dedicou-lhe um capítulo na obra Mulheres Contra a Ditadura, intitulado "Maria Fernanda Corte Real Graça e Silva e a primeira Comissão Central do MUDJ".

[João Esteves]

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