[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

[0910.] FERNANDO MOUGA [II]

* FERNANDO DA SILVA MOUGA *

[05/12/1914-15/01/1997]

Advogado.

Neto de camponeses alentejanos de Safara por parte da mãe e de ribatejanos por parte do pai, filho de professores primários que, "namorando-se nos tempos da implantação da República, se escreviam tratando-se por «cidadãos»", Fernando Mouga nasceu em Casais de Ferreira do Zézere, "terra de meus avós paternos", a 5 de Dezembro de 1914, "numa terça-feira, às três horas da tarde, pormenor que me foi dado por minha mãe para me satisfazer a curiosidade de saber quando, exatamente, apareci no mundo", e faleceu em Viseu a 15 de Janeiro de 1997.

Frequentou o Instituto dos Missões Laicas, de Sernache do Bonjardim, para onde entrou em 1924, o Instituto do Professorado Primário Português - Instituto Sidónio Pais, em Lisboa, o Liceu Camões e o Gil Vicente, onde foi colega e amigo de Mário Dionísio e de José Pedro Dias Júnior, "dançarino de fandango com requintes subtis de sapateado aprendido nas terras da Borda de Água do Ribatejo onde nascera e se criara", e que passou vários anos preso em Peniche no início da década de 60 quando era Professor do Ensino Técnico.

Matriculou-se em Direito, primeiro na Universidade de Coimbra (1933), onde emparceirou, em meados de 1936, com António Maldonado de Freitas no boicote à conferência de um catedrático fascista italiano, transferindo-se depois para Lisboa (1936), para o Campo de Sant'Ana. Na capital, conviveu politicamente com Álvaro Cunhal, Fernando Piteira Santos, Manuel João da Palma Carlos, Manuel da Fonseca e Manuel Campos Lima, tendo frequentado a redação do jornal O Diabo. Voltaria a reencontrar Álvaro Cunhal, inesperadamente, em Viseu, pouco antes da sua prisão em 1949, no Luso. 

Devido ao falecimento da Mãe a 17 de Setembro de 1937, teve de conciliar o trabalho com os estudos, passando a aluno voluntário de Direito. 

Aluno de Marcelo Caetano, "cujos méritos de sabedoria e de proficiência de ensino se não podem negar de boa-fé", descreve-o, em duas situações por si presenciada, como "homem autoritário e impiedoso": uma com Fernando Piteira Santos que, ao confrontar aquele no plano das ideias, ouviu um "Senhor Piteira, cale-se!" e aconselhou-o, sob forma de ameaça, a pedir transferência para a Faculdade de Letras; a outra, muito mais elucidativa do seu carácter fascizante, ao recusar a possibilidade de um aluno, operário vindo de Alhandra, realizar o exame por o comboio se ter atrasado, fazendo com que perdesse o ano.   

Cumpriu o serviço militar em Beja e Viseu, cidade onde se fixou definitivamente em Maio de 1944 e iniciou a advocacia.

A militância política, iniciada na década de trinta, intensificou-se naquela cidade, datando de finais dos anos 40 a ligação ao Partido Comunista.

Participou ativamente no MUD, "a minha primeira experiência de combate político, organizado, ao fascismo", tendo-se oposto, juntamente com o médico César Anjo (1915-1969), à entrega posterior das listas locais às autoridades por irem "enriquecer gratuitamente o ficheiro da polícia política e possibilitar represálias a todo o tempo e em qualquer aspetos da vida dos cidadãos comprometidos".

Em 1949, interveio na campanha do general Norton de Matos, integrando as comissões concelhia e distrital de Viseu.

Fez parte, em 1951, do Movimento Nacional Democrático liderado por Ruy Luís Gomes e participou nos Congressos Republicanos de Aveiro, tendo apresentado com Augusto César Anjo e J. Simões uma comunicação intitulada "Tomás da Fonseca Vivo - Um inteletual sem Bandeira irmanado com o Povo" (1969).

Autor do poema "Esta Guerra Não É Nossa", "manifesto contra as guerras coloniais, em jeito de romance popular, bem rimado e de palavras simples" e editado em folheto clandestino pelo Partido Comunista.

Escreveu poesia, embora a maioria não tenha sido editada. Poemas seus integraram a obra coletiva Contos e Poemas de autores modernos portugueses, organizado e editado por Carlos Alberto Lança e Francisco José Tenreiro (1942). Segundo Otto Solano, Luís de Freitas Branco (1890-1955) compôs "duas canções revolucionárias sobre poemas de Fernando Mouga e José Gomes Ferreira de conteúdo abertamente subversivos".

Após o 25 de Abril interveio politicamente no âmbito do MDP/CDE.

Em 1974, aceitou "o cargo de delegado da Direção-Geral dos Desportos, em Viseu, para comparticipar pela prática (e que maravilhosa experiência foi!) na autêntica revolução que, dirigida pelo Prof. Melo de Carvalho [...], se propunha, na pureza do ideal do 25 de Abril, implantar no país uma política desportiva no real interesse do Povo e, consequentemente, da Nação". 

Por sua casa, em Viseu, passaram, em absoluta segurança, clandestinos e lá se realizaram reuniões de responsáveis do Partido Comunista. 

Casado com Maria Amélia Cerqueira Martins Correia, filha de António Correia (1895-1961) que, entre 1942 e 1945, passou pelas prisões da Trafaria, Aljube, Caxias, Tarrafal e Peniche, Fernando Mouga, Cidadão íntegro de um "país onde os grandes homens sempre foram muito poucos e muitas as coisas pequenas", é um nome a evocar da Resistência e da Intervenção Cívica em Viseu.

Escreveu o livro memorialista Janela de Memória (Gente, Bichos, Factos e outras coisas que tecem a vida e à vida chegaram nas voltas do mundo), concluído "exatamente às dezassete horas e um quarto do dia treze de Setembro de 1995" e publicado em 1996.


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