[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

quinta-feira, 3 de março de 2011

[0337.] Carolina Beatriz Ângelo

- Entrevistas -
I
O jornal A Capital de 22 de Fevereiro de 1911 publica uma entrevista com Carolina Beatriz Ângelo, ilustrada com a sua fotografia.

[22.02.1911] 

"A Questão do Dia - As feministas portuguesas são feministas... femininas - assim no-la afirma uma das mais ilustres, a sr.ª D. Carolina Beatriz Ângelo

Uma comissão de senhoras, no intuito de promover o levantamento intelectual e moral da mulher, a exemplo das suas congéneres doutros países, vai promover, como A Capital já teve ocasião de noticiar, uma série de conferências de propaganda feminista, feita por muitos e distintos oradores, constando-nos que as iniciará o eminente republicano dr. Magalhães Lima.

O assunto feminismo é hoje palpitante e crescente de interesse pelas reivindicações de direito que dia a dia vem conquistando. Em todo o mundo onde a civilização mais tem avançado a mulher pode e trabalha para obter a sua liberdade, ora persuadindo e solicitando, ora exigindo com a força da sua solidariedade e com a justiça da sua causa.

Desde os tempos mais remotos que ela tem sido sempre escravizada e a sua voz clamando justiça e liberdade só agora começa a ouvir-se e a atender-se. As dinamarquesas e suecas já conquistaram os seus direitos municipais; as da Noruega, Finlândia, Austrália e de alguns Estados da América conseguiram entrar nos parlamentos. Na Itália, Áustria, Suíça, Hungria, Rússia, Inglaterra e França o movimento feminista cada vez mais vai aumentando e numa luta constante ganha um terreno que o há-de levar fatalmente à vitória. Em Portugal esse movimento cresce e vai entrar agora na sua fase de maior propaganda, para o que trabalha nesse sentido uma comissão de senhoras.

As senhoras deverão, pelo menos, assistir às conferências de propaganda feminista

Soubemos que estava à frente dessa comissão a sr.ª D. Carolina Beatriz Ângelo, médica muito distinta, motivo por que a fomos procurar ao seu consultório, distraindo-a dos seus afazeres profissionais, para informarmos os leitores de A Capital das intenções dessas senhoras, ante as anunciadas conferências.

À nossa pergunta nesse sentido a ilustre médica, com a mais encantadora gentileza, responde-nos logo:

- Da melhor vontade e com o maior prazer, visto que tenho mais esta ocasião de pedir a todas as senhoras portuguesas que nos acompanhem, pelo menos ouvindo os conferentes, que são dos mais ilustres pensadores e homens de letras.

Eles dirão certamente, com os fulgores do seu talento e o brilho da sua palavra, qual a justiça da nossa causa. Queremos que a lei eleitoral nos permita votar e podermos ser eleitas, a fim de termos representação parlamentar.

A Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, a que tenho a honra de pertencer, já lembrou ao governo provisório o seu desejo de que se estabeleça o sufrágio universal com igualdade de direitos para homens e mulheres. Há muito quem diga ser a mulher, sobretudo inculta, um espírito fraco e facilmente maleável ao sabor político de exploradores ou exploradoras do seu voto, como se o domínio do lar não fosse sempre exercido pela ternura e carinhos da mulher que consegue do seu homem, quando queira, tudo quanto possível seja neste mundo. E quantas vezes a jesuitada não tem pelo confessionário empregado esse estratagema? Quantas mulheres, mesmo dessas incultas, não terão levado os maridos, os espíritos fortes, a votarem em quem elas, os espíritos fracos, querem?

- Nesse caso, v. ex.ª é pelo voto feminino incondicional?

Não. O que eu entendo necessário e indispensável é desde já o governo dar o voto à mulher economicamente independente, e só a esta por enquanto. Para ver se isto se consegue é que uma comissão de senhoras trabalha e pede a colaboração de toda a gente.

Em Lisboa há um grande número de senhoras educadas e com a ilustração bastante para compreenderem que pretendemos apenas reivindicar direitos que justamente pertencem a nós todas. Basta a sua comparência às nossas conferências, porque a manifestação do número é sempre eloquente. Trata-se da maior garantia de liberdade e justiça que a mulher pode alcançar – a representação parlamentar.

As nossas feministas reprovam as exibições e as manifestações espectaculosas

E parece-lhe que a conseguirão?

Esperamos obter do governo essa concessão, deixando-nos discutir as leis, principal-mente aquelas que mais interessem a mulheres e crianças.

Não pretendemos exibir-nos, nem tão pouco usurparmos ao homem as peças do seu vestuário, como algumas feministas exageradas, não! Eu entendo, e como eu todas as minhas colegas e companheiras, que é necessário o maior cuidado em evitar o ridículo que certos homens e mulheres procuram opor-nos, mostrando-nos sempre tal como somos feministas bem femininas, com todo o encanto e graça, pouca ou muita, de que cada qual possa dispor. Devo confessar-lhe que detesto as manifestações espectaculosas das violências, pendões e gaitas que algumas das nossas colegas inglesas empregam como argumento irrefutável e como arma terrível de combate, que as torna ridículas às vezes. Penso doutra forma; estou convencida que a mulher, por meio de associações cuidadosamente organizadas, onde a dignidade e o carácter se imponham, poderá conseguir a sua liberdade, protegida em nome do direito. E então, ocupando na vida o seu verdadeiro lugar, ela satisfará dignamente a sua missão, incutindo nos filhos e filhas as mesmas virtudes, na sua igualdade civil e nos progressos realizados pelos seus progenitores, preparando uma raça nobre, digna e cheia de felicidade.

E eis quanto a ilustre feminista sobre o assunto teve a extrema amabilidade de nos comunicar."

[A Capital, p. 1, cols. 5-7]

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