[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

quarta-feira, 2 de março de 2011

[0335.] Carolina Beatriz Ângelo

- Carta a Ana de Castro Osório -
III - Última Carta

“Recebida em 11-10-1911 - tendo tido a notícia da sua morte por telegrama para o “Estado de S. Paulo” em 4-10-1911 [Anotação de Ana de Castro Osório no início da missiva].

Minha querida Ana

Recebi um postal seu em que me pede uns poucos com o meu retrato. Remeto-os.

Ontem fomos em Comissão cumprimentar o presidente da República [Manuel de Arriaga] - saímos de lá furiosas e com imensa tristeza. Não imagina como o homem está - pateta de todo - disse tolices sem conta e por fim incitou-nos a... ser cocotes, isto é, a combater o homem, indo uma só, porque com toda a nossa astúcia e meiguice o venceríamos sempre. Ora calcule! Eu estava sobre brasas e com certeza que, se fosse um homem novo que me dissesse toda aquela fiada de sandices, teria levado uma resposta condigna. As histórias que ele nos contou! Disse que as sr.as são umas tiranas porque as criadas de servir dizem sempre m.to bem dos patrões e detestam as patroas! Ora quando numa visita tão banal o homem fez assim uma péssima figura calcule-se o que será em coisas que requerem raciocínio e bom senso!

Em compensação desta grande decepção tive à noite uma longa e m.to agradável conversa com o Brito Camacho, que fui procurar à redacção acompanhada pela Irene [Maria Irene Zuzarte]. Não imagina a amabilidade com que fomos recebidas e como eu trouxe uma bela impressão do homem! Já leu com certeza o amável eco em que dá conta da visita. Isto para mim significa, e é por isso que estou satisfeita, que o homem está moralmente inibido de atacar a nossa Associação. Já me lembrei de o convidar para falar na festa inaugural. Olhe q. me parece não ser difícil a empresa. Bem conversadinho...

A bandeira está a bordar mas não calcula as ralações que me tem causado! Primeiro foi um castigo para conseguir que a Laudete desse o desenho, apesar de querer ser ela a fazê-lo; e depois, só para nós, o tal soi-disant desenho era uma porcaria tal, tão sem nexo, que era impossível pensar em o executar, tanto mais que a bandeira não fica nada barata. Que rodeios, que diplomacia, que comissões tive de mandar para conseguir que não ficassem melindradas por se executar um outro desenho que, à pressa, me fez meu cunhado, que sabe o que é desenhar, pois é arquitecto e premiado da Academia. A festa inaugural conto que se fará depois das festas de 5 de Otubro. Não se descuide em mandar qualquer coisa escrita para se ler e mostrar-nos assim que está em espírito connosco.

Contamos que irá falar como advogado da Ass. o Dr. Mauricio Costa; e os demais oradores serão Dr. Afonso Costa, Dr. Bernardino M., Faustino da Fonseca e Ribeiro de Carvalho. Teremos 4 números de música, sendo um de canto; e mais nada para não maçar m.to o respeitável público a quem desejamos deixar uma impressão agradável.

Parece-me que agora sempre me resolverei a publicar alguns artigos de propaganda. A questão é começar. A minha falta de saúde é que é m.to maçadora. Se eu tivesse saúde e dinheiro...

Sua mãe mandou-me ontem dizer pela Constança que o nosso Nunes chega no dia 1 de Outubro. Já me mandou uma poesia, não sei se lhe disse - versos de pé quebrado mas, enfim, versos.

Agora está um tempo m.to triste, começa o frio e os dias a diminuir. O inverno, o meu terror, aproxima-se.

Beijos da Maria para o Jéca.

M.tos cumprimentos ao Mano Paulino e um saudoso abraço para si

da sua Mto A.

Carolina”

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