[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

[0243.] AS MULHERES E A REPÚBLICA || NOTÍCIAS 84 (CIG) - 2010

* AS MULHERES E A REPÚBLICA *

NOTÍCIAS || 84 || OUTUBRO DE 2010



 

«Mulheres e República
Na passagem do I Centenário da implantação da República, importa reflectir sobre alguns pontos que a associaram à longa e inacabada caminhada das mulheres pela cidadania.
 
1. 
O primeiro diz respeito a algo que, passadas tantas décadas, começa finalmente a ser uma evidência: a República revelou-se também uma aspiração feminina e contou com mulheres que, individual e colectivamente, ousaram bater-se pelos seus ideais antes, durante e depois de Outubro de 1910, associando o combate político às suas próprias reivindicações. Ao longo de 20 anos, entre a fundação da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (1908) e o Segundo Congresso Feminista e de Educação (1928), marcaram presença, fizeram a diferença e abriram caminhos ao futuro possível de outras mulheres: pensaram, debateram, denunciaram, organizaram-se, actuaram, peticionaram, apresentaram soluções. Estiveram na rua em nome da República, pela República e para celebrar a República, sem abdicarem da obtenção de direitos para si. Acreditaram que tal só era possível com a mudança de regime, saudaram as medidas do Governo Provisório, rejubilaram com o simbolismo do voto solitário de Carolina Beatriz Ângelo, emocionaram-se na abertura da Assembleia Nacional Constituinte, censuraram o oportunismo dos “adesivos”, refutaram as incursões monárquicas, denunciaram a Ditadura de Pimenta de Castro e o Sidonismo, recusaram a neutralidade, ampararam os soldados mobilizados durante o conflito mundial, organizaram Congressos e foram solidárias, sob a Ditadura Militar, com os presos e deportados políticos. Reivindicaram-se como cidadãs entre cidadãos, reclamaram o voto, a instrução, salário igual para trabalho igual e a revisão do Código Civil. Preocuparam-se com a prostituição e a mendicidade infantil. 
 
2. 
O segundo ponto envolve a celebração do Centenário. 
Pela primeira vez assiste-se, nos múltiplos eventos realizados ou programados, fossem eles de carácter nacional ou local, oficial, académico, escolar, associativo ou informativo, envolvendo a edição de livros, blogosfera e imprensa escrita, rádios e canais televisivos, à preocupação (mesmo que superficial) da inclusão das mulheres enquanto intervenientes no contexto histórico desse período. E até as tendências monárquicas as têm incluído em análises recentes. Aquelas começam – timidamente - a ocupar os seus lugares depois de abafadas durante décadas, suprimidas dos manuais escolares, excluídas de dicionários e obras de referência, ignoradas na academia, arredadas de conferências, colóquios e congressos, emudecidas pelas sucessivas historiografias dominantes e para o qual muito contribuiu o silenciamento, incompreensões e deturpações a que, globalmente, a época da 1.ª República esteve sujeito durante gerações, por força da Ditadura Militar, que lhe pôs termo, e da glorificação do Estado Novo. Este Centenário tem, pois, reforçado outros olhares sobre o passado revisitado, acompanhado de reflexões e redescobertas do que não se queria ver por opções políticas, ideológicas, historiográficas, memorialistas ou misóginas.
 
3.
O terceiro ponto recoloca o papel interventivo da elite feminina nos derradeiros anos da Monarquia. 
A discussão, organização e mobilização das mulheres em torno dos seus direitos não se processou a reboque do republicanismo em crescendo, mas teve uma via própria e, inicialmente, autónoma, com recurso à palavra escrita na imprensa e à dinamização, em 1906 e 1907, de agremiações feministas de cariz pacifista e maçónico. Assim, quando há 100 anos triunfou a República, já era uma realidade a participação política, associativa e cívica de escritoras, médicas, professoras, educadoras, jornalistas e domésticas que questionavam a submissão e menorização em que viviam as portuguesas, consubstanciadas no Código Civil e na expressiva taxa de analfabetismo (85,4%, em 1890, 85%, em 1900). 
Primeiro, em Maio de 1906, formalizou-se a Secção Feminista da Liga Portuguesa da Paz, em sessão presidida por Olga de Morais Sarmento da Silveira (1881-1948), escritora monárquica, secretariada pelas médicas Emília Patacho (1870-1940) e Domitila de Carvalho (1871-1966): tratou-se, segundo a jornalista Virgínia Quaresma (1882-1973), Secretária da Direcção, do primeiro episódio público declaradamente feminista e que marcou a passagem das palavras à intervenção colectiva organizada. Seis meses depois, Madeleine Frondoni Lacombe (1857-1936) foi indigitada para preparar, em Portugal, um núcleo da associação francesa La Paix et le Désarmement par les Femmes, dirigida por Sylvie Petiaux-Hugo Flammarion. Ambas albergaram responsáveis e associadas comuns e reuniram, temporariamente, sob o mesmo tecto monárquicas, republicanas e maçónicas. O ano de 1907 assinalou a caminhada comum entre feministas e maçonaria, ao iniciaram-se, na Loja Humanidade do Grande Oriente Lusitano Unido, Adelaide Cabete (Louise Michel), Ana de Castro Osório (Leonor da Fonseca Pimentel), Carolina Beatriz Ângelo (Lígia) e Maria Veleda (Angústias). Durante duas décadas, líderes e dezenas de propagandistas foram maçons e a importância histórica desta proximidade está comprovada na missão secreta atribuída a Adelaide Cabete e Beatriz Ângelo pelo Grão-Mestre da Maçonaria, José de Castro, para a confecção “no prazo máximo de 48 horas” de 20 bandeiras “verde-rubras” a serem desfraldadas aquando da revolução. 
Formar uma organização estritamente feminista era uma aspiração desde o início do século XX e materializou-se com o aparecimento, também em 1907, do Grupo Português de Estudos Feministas, liderado pela escritora Ana de Castro Osório (1872-1935): constituiu um marco ao incorporar o termo feminista no nome e indiciar a preponderância das republicanas e maçónicas. Entrincheirado entre o feminismo pacifista e a influência do republicanismo na elite feminista, as actividades esfumar-se-iam em 1908, com a formação da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e o incómodo político dos vocábulos “feminismo” e “feminista”, ainda em voga na imprensa da época.
 
4. 
O quarto ponto diz respeito à “republicanização” das mulheres, sendo que a conjuntura política vivida a partir do regicídio revelou-se determinante para que os líderes republicanos influenciassem os caminhos do(s) feminismo(s) português. 
O envolvimento de mulheres na esfera política sobressaiu nesse ano e coadunava-se com os esforços desenvolvidos pelo Partido Republicano de fazer triunfar a República. Maria Veleda, nas Memórias, retrata essa caminhada durante a Monarquia, esclarecendo como se estabeleceu a conivência e aconteceu a participação em conferências, colaboração na imprensa, discursos em romagens e sessões, bem como o papel do PRP na formação da LRMP (1908-1919), caucionada por António José de Almeida (1866-1929), Bernardino Machado (1851-1944) e Magalhães Lima (1850-1928) com o objectivo prioritário de engrossar a propaganda. Moldada pelas líderes do feminismo português da primeira vaga – Adelaide Cabete (1867-1935), Ana de Castro Osório, Carolina Beatriz Ângelo (1878-1911), Maria Veleda (1871-1955) –, quarteto que já tinha colaborado no Grupo Português de Estudos Feministas, aglutinou as republicanas e sobressaiu durante uma década como o mais forte e estruturado grupo de pressão feminino, já que era a organização com mais associadas e núcleos locais e dispôs de imprensa própria e acesso privilegiado aos órgãos de propaganda republicana. No entanto, ao acolher feministas republicanas, republicanas feministas, feministas sufragistas, feministas anti-sufragistas, feministas anti-clericais, livre-pensadoras e feministas que tentaram a via da independência política e respeito por todas as crenças religiosas, sobreveio no seu núcleo uma tensão latente entre as que se afirmavam essencialmente como republicanas e a tendência mais feminista que pugnava pela formulação de exigências específicas no âmbito dos direitos civis e políticos. Este equilíbrio periclitante deu lugar a rupturas irreversíveis, esboçadas ainda no período que antecedeu a República, com Maria Veleda a contrapor a via da Revolução ao caminho da Evolução, dando eco às posições triunfantes no Congresso Republicano de Setúbal de Abril de 1909, e a pugnar por uma orientação anticlerical, enquanto Ana de Castro Osório evocava o exemplo da Revolução Francesa para alertar para o perigo de se confiar apenas na mudança de regime como solução para todos os problemas, assim como procurava atenuar os excessos no questionar das convicções de cada uma. Depois de 5 de Outubro, e apesar da expansão das ideias e da combatividade quotidiana, a discórdia subsistiu centrada na questão religiosa e no sufragismo, legitimando a cisão que originou a Associação de Propaganda Feminista (1911-1918), sob a orientação de Ana de Castro Osório e Carolina Beatriz Ângelo.
A proximidade geracional e ideológica entre as feministas e os republicanos, agora detentores do poder, fez com que aqueles funcionassem, mesmo que de forma passiva, como agentes das suas causas, ao não se desmarcarem delas e proporcionarem-lhes espaço público.
 
5.
O quinto ponto incide na capacidade reivindicativa surgida com a República e que decaiu quando a Revolução perdeu o fulgor inicial.
Entre 1910 e 1918, houve a formulação de reivindicações, umas vezes específicas, outras de natureza genérica, aos poderes políticos institucionais e, facto então inédito, os governantes foram interpelados de forma sistemática sobre as principais questões que preocupavam as mulheres, optando muitos por manifestar simpatia e compreensão. No próprio mês do triunfo da República, a 27 de Outubro, a LRMP entregou uma representação ao Governo Provisório contendo as principais reivindicações: aprovação da Lei do Divórcio, considerada “a lei mais urgente de quantas são pedidas pelos cidadãos portugueses”; revisão do Código Civil, em vigor desde 1867, apresentado como um símbolo da legitimação da sua inferioridade e subalternidade pois negava à mulher, sobretudo a casada, quaisquer direitos no âmbito da família e da sociedade; sufrágio feminino restrito; direito de eleger e ser elegível para os cargos municipais; acesso à Assistência Pública e a outras profissões, devendo poder concorrer em igualdade de circunstâncias com os homens; educação e instrução das mulheres e das crianças; combate à prostituição e alcoolismo. 
Aprovada a Lei do Divórcio e as Leis da Família em 1910, da autoria de Afonso Costa, e revistos aspectos pontuais do Código Civil, a discussão centrou-se nos direitos políticos e os primeiros anos foram sobretudo marcados pelo feminismo sufragista: apesar da Tese Feminismo, discutida no Congresso Nacional do Livre Pensamento de Abril de 1908, contemplar o voto, esta temática só despoletou com a revolução e aquele não foi logo considerado prioritário, revelando-se fracturante dentro do associativismo feminino, entre as feministas e entre estas e os republicanos, por abranger uma minoria e não colher consenso quanto à oportunidade. O sufragismo ganhou espaço nas petições da Liga Republicana das Mulheres, reforçou-se através da Associação de Propaganda Feminista, ancorando-se nas posições de Ana de Castro Osório e Carolina Beatriz Ângelo, para quem aquele passou a ser uma questão central no reconhecimento dos direitos das mulheres, e prolongou-se na actuação do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, sem qualquer resultado para além do voto inédito daquela médica nas eleições de 28 de Maio de 1911. Presente nas representações (1910, 1911, 1912, 1915, 1918) e nos debates da legislação eleitoral, o voto das mulheres nunca se chegou a resolver, negando-se solução favorável às pretensões, por mais modestas que fossem. Não estava em causa o sufrágio feminino universal, mas antes a outorga do voto a uma minoria, tendo por base a sua situação económica e cultural, o que parecia viável atendendo a que poucas seriam abrangidas: invocava-se ainda que se tratava duma promessa do Partido Republicano anterior a 1910, não sendo aceitável que não fosse minimamente cumprida ao envolver “uma minoria educada e consciente”. Em 1918, na única representação exclusivamente dedicada à problemática do sufrágio feminino, a Liga dirigiu-se a Sidónio Pais (1872-1918), na qualidade de Presidente da República, assinalando que “a República velha depressa soube repudiar-nos, mantendo-nos numa situação de inferioridade que absolutamente destoa dos mais rudimentares princípios da verdadeira, legítima e progressiva democracia!” e lamentava que sucessivos governos continuassem a negar “ainda hoje o direito de voto à mulher portuguesa, com o propósito firme, mas incorrecto, de evitar que desassombradamente, mas patrioticamente, manifeste o seu desagrado, por tantos erros ou desvarios do facciosismo político!”. Se houve reivindicação que provocou ilusões, desilusões, fracturas e controvérsias foi a do sufrágio feminino, provocando desgaste acumulado nas partes envolvidas. Paralelamente, reclamou-se o direito das mulheres poderem ser eleitas (1910, 1911, 1915), apontando-se as Juntas Paroquiais e as Câmaras Municipais como as instituições mais vocacionadas para o início do desempenho de funções, nomeadamente quando relacionadas com a assistência e educação. Com o definhamento da LRMP e da APF, em 1918, o feminismo sufragista ficou representado pelo CNMP, que inscrevia entre as suas prioridades a reivindicação do voto feminino e manteve, entre 1922 e 1935, uma Secção dedicada ao Sufrágio. A situação do professorado feminino, nomeadamente aquele que leccionava nos Centros Republicanos e outras escolas do ensino livre, as questões educativas e pedagógicas e o combate à prostituição legalizada, ao alcoolismo e à mendicidade infantil, para além da reivindicação de salário igual para trabalho igual, foram outros assuntos discutidos com os sucessivos governos da República.
Apesar das diligências efectuadas e das afinidades políticas que uniam reclamantes e governantes, verificou-se, sistematicamente, fraca receptividade às representações elaboradas, o que terá contribuído para a dissociação entre os interesses feministas e os da República, acentuando o desgaste das débeis estruturas democráticas do novo regime. No poder, os dirigentes republicanos já não acolhiam com a mesma benevolência e camaradagem a luta das mulheres, não lhe dando relevo nas decisões governamentais e parlamentares.
 
6.
Um outro ponto, que não será desenvolvido, tem a ver com o triunfo do feminismo apolítico e apartidário internacionalista, representado pelo CNMP, e o surgimento de uma nova geração de feministas durante a década de 20: a internacionalização e os dois Congressos Feministas e de Educação de 1924 e 1928 corresponderam a um novo fôlego, ainda que, entretanto, se tenha esbatido a capacidade pública de debater o feminismo e a de influenciar a governação.
Numa interpretação muito própria, dir-se-ia que a República conteve duas gerações distintas de feministas: a primeira, que a antecedeu, lutou pelo seu triunfo, foi pioneira na militância, associativismo e reivindicações, esteve muito próxima do poder político republicano, chegando a influenciá-lo, e manteve-se activa até meados da década de dez; a segunda, composta sobretudo por jovens licenciadas nascidas no dealbar do século XX, determinou uma ruptura com os feminismos pacifista e republicano e correspondeu à afirmação de feministas mais empenhadas na valorização e reconhecimento profissionais, em detrimento duma militância exclusivamente política. No entanto, em ambos os casos, esteve subjacente a matriz do ideário republicano e foi nesse quadro que se moveram durante décadas.  
 
7.
Por último, importa equacionar como ficaram as mulheres, entre o sonho e a realidade política da 1.ª República. 
A República, enquanto regime, nunca foi questionada, tanto mais que tinham contribuído para o seu triunfo, embora não se entendesse porque é que ela não soube, ou não quis, cumprir algumas das suas promessas. Na Representação ao Governo e ao Parlamento Português, datada de Julho de 1915, a APF assinalava que “a propaganda republicana deve muito às mulheres feministas porque ganhou, não pouco, moralmente, com essa voz que se erguia em nome duma enorme multidão de sacrificadas, a clamar contra um regime que se fechou no egoísmo da sua própria defesa”, e esperava da República, “que é o regime da igualdade”, um comportamento bem diferente da Monarquia liberal. Só que uma coisa era a familiaridade e o afável relacionamento com a elite feminista, assumidamente republicana e maçónica, e outra a decisão de atribuir direitos, como o voto, a todas as mulheres. O receio de este vir a ser utilizado pelas forças que sempre se tinham oposto à República, assim como o medo da mudança que tal decisão implicaria, e que dificilmente seria controlada pelos republicanos, levou-os a adiarem eternamente esta sua promessa, fundamental para quem acreditava no sufrágio universal.
Não se conseguiu o voto, mas consagrou-se o divórcio, a revogação de artigos que estipulavam que a mulher devia prestar obediência ao marido e que não podia publicar sem a sua autorização, a investigação da paternidade ilegítima; estabeleceu-se que o contrato de casamento era exclusivamente civil e deixava de ser perpétuo e a sociedade conjugal passava a basear-se nos princípios da liberdade e da igualdade; promoveu-se a instrução feminina e a coeducação; instituíram-se as Tutorias para menores. Além do mais, independentemente dos resultados imediatos, dos avanços e recuos, insucessos e dissabores, estas mulheres acreditaram em causas, algumas delas sendo ainda hoje válidas, lutaram por direitos, insistindo na importância de se igualarem mulheres e homens na lei, divulgaram ideais e primaram pela coerência, não enfileirando as hostes do regime ditatorial saído do 28 de Maio de 1926.      
 
8.
Em síntese, nas primeiras três décadas do século XX, antes e após a implantação da República, a discussão em torno do feminismo foi uma realidade, fez-se a denúncia das condições legais, sociais, políticas, económicas, educativas e morais em que se encontravam as mulheres, merecedoras dos mesmos direitos e deveres de que beneficiavam a parte masculina da sociedade; reivindicou-se a Lei do Divórcio, a revisão do Código Civil, o sufrágio feminino, embora com cambiantes consoante quem o formulava, a enfermagem e ensino laicos, a independência económica mediante o acesso das mulheres a diversas profissões, a igualdade dos salários, o direito à instrução e educação femininas, a abolição da prostituição, o combate à mendicidade infantil, a protecção da maternidade, uma só moral para ambos os sexos; e internacionalizou-se o combate, com a adesão as duas grandes federações internacionais femininas.
Mergulhar nesse período e evocar as várias líderes que coexistiram, não obstante divergências e incompatibilidades, e a militância de muitas centenas de activistas distribuídas por agremiações distintas é prestar-lhes o tributo há muito devido e pressentir o quotidiano, percurso, aspirações, vitórias e reveses de cada uma e de todas em tempos adversos à afirmação feminina, numa caminhada actual e sempre inacabada pela igualdade. Frequentemente contornados ou subvalorizados, os direitos tão duramente reivindicados e conquistados ao longo do século XX não podem ser dados como adquiridos ou irreversíveis, como a realidade tem demonstrado ao evidenciar o desfasamento que persiste entre o espírito das leis e as práticas e vivências quotidianas.
Sem a intervenção activa das mulheres, de onde sobressai um núcleo burguês, urbano e letrado formado durante a Monarquia, a Revolução e a República não seriam as mesmas, mesmo que os seus dirigentes não tenham sabido corresponder aos seus anseios e utopias. Cem anos após a sua proclamação, não é mais possível estudá-la sem incorporar o debate feminista, assim como é necessário enquadrar as suas organizações no republicanismo em ascensão e triunfante.».

[João Esteves]

Sem comentários: