[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

[0209] REIVINDICAÇÕES FEMINISTAS [IX] || 11/05/1913 - LIGA REPUBLICANA DAS MULHERES PORTUGUESAS

* REPRESENTAÇÃO DA LIGA REPUBLICANA DAS MULHERES PORTUGUESAS AO PARLAMENTO || 11/05/1913 *

«Ex.mos Srs. Senadores e Deputados da República. – Mais uma vez, a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, cônscia de que pratica um acto de humanitarismo, vem apelar para a vossa bondade, para a vossa inteligência e para o espírito de justiça, que deve presidir às vossas deliberações. Conquanto as nossas reclamações não tenham sido atendidas até agora, dentro da medida dos nossos desejos, nem por isso desanimamos ou esfria o nosso entusiasmo pelas questões de interesse social a que devem aspirar todas as criaturas educadas para o bem e para a fraternidade. E é assim que nós, como mulheres e como mães, nos dirigimos a vós, esperando da vossa interferência que se procure opor um dique à corrente de infâmias que certos indivíduos – os quais envergonham a espécie humana – vem perpetrando à sombra da lei que os protege e quase os incita à prática de novos e repugnantes delitos. Referimo-nos, Srs. Senadores e Deputados, aos desfloradores de crianças, cujos crimes a imprensa diária regista constantemente, sem que até hoje se procurasse por alguma forma impedir esses atentados à natureza, esses actos revoltantes que colocam o homem ainda abaixo dos irracionais. A malvadez desses monstros leva-os até a abusar das próprias irmãs, das próprias filhas, tenras crianças, perante as quais hesitaria e talvez se baixasse o punhal do algoz, menos cruel, menos destruidor do que o seu instinto feroz.

Bem sabemos que tais crimes são, em parte, devidos ao abuso do álcool – esse terrível inimigo da humanidade, contra o qual nós, mulheres, lutaremos sempre tenazmente, porque é ele o maior agente de perturbação na família; mas é certo também que a impunidade e a facilidade como a lei admite fiança para crimes de estupro contribui fortemente para que eles se repitam, se multipliquem num crescendo assustador. Basta que um bandido afiance outro – porque bandidos consideramos nós todas as criaturas que pactuam com o crime a ponto de se tornarem fiadores de qualquer miserável que tenha abusado duma indefesa criança – basta que um bandido afiance outro, para que a justiça, benévola e transigente, lhe abra de par em par as portas da prisão! Isto representa a negação da bondade, da justiça e da ordem social! Nós vimos protestar junto de vós, Srs. Deputados e Senadores, contra a lei que admite fiança para crimes de tal natureza. O homem, o malvado, que ceva numa criança os seus bestiais apetites, é mil vezes mais execrável do que o assassino, e sobre ele deve pesar todo o rigor da justiça.

Não será remédio radical, infelizmente; mas uma lei que ponha termo ao direito de fiança, concedida aos desvirginadores de menores, representará, ao menos, uma tentativa moralizadora, que muito vos dignificará.

Certos de que a impunidade não coroará as suas infâmias, é possível que as feras não se atrevam a sair dos imundos covis, em cata da presa que a sua rapacidade cobiça. Para vós, Senhores – os que sois pais e sofreríeis horrivelmente, se algum miserável abusasse da candura de vossas lindas e inocentes filhinhas – para vós apelamos, esperando que o não faremos debalde.

Levantai a voz em defesa das crianças imoladas à brutal concupiscência de repugnantes sátiros. Legislai no sentido de se acabar com essas fianças, que equivalem a uma transigência com os mais horrendos crimes; e tereis cumprido um dos vossos melhores actos como representantes do povo, como defensores da justiça, da ordem e da moralidade dos costumes.
Saúde e Fraternidade.

Lisboa, em 11 de Maio de 1913. = (Seguem as assinaturas)."

[Diário..., n.º 124 || 29/05/1913]

[João Esteves]

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