[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

domingo, 14 de novembro de 2010

[0093.] ANA DE CASTRO OSÓRIO [XIV] || 13/11/1910

* ANA DE CASTRO OSÓRIO *

"A LEI DO DIVÓRCIO" || 13/11/1910

Artigo de Ana de Castro Osório no jornal O Radical de 13 de Novembro de 1910 sobre “A lei do divórcio”.

«A lei do divórcio

Hão-de lembrar-se... Quando começámos a fazer a propaganda desta lei, que achamos das mais justas e moralizadoras, impedindo, o mais possível essa abominação que é o adultério, tanto em prática nas católicas sociedades e tão vulgar nas famílias ortodoxas; essa lei que salva milhares de criaturas da situação vexante de se encontrarem na vida, sem pai nem mãe legais... Hão-de lembrar-se. A sociedade setubalense mais composta e mais grave arrebitou as orelhas farejando escândalo.

As velhas beatas cacarejavam de casa em casa, perguntando bisbilhoteiras: - se era então certo nós querermos divorciar-nos.

Porque estas santas criaturinhas não admitem que desinteressadamente e nobremente alguém se interesse por uma ideia de justiça sem que dali lhe venha lucro ou benefício próprio. Torpes consciências, vilíssimas gentalhas!

Nada nos faltou como comentário vesgo à nossa propaganda; nem as linguarices das velhas, nem os olhares de soslaio das moças, nem os artigos dos jornais reaccionários, nem os vitupérios de Benevenulo e quejandos nem as infames cartas anónimas e nem mesmo a voz trovejante dos discípulos de Loiola, que do púlpito da Anunciada apontavam o nosso nome maldito à execração dos fiéis...

Impassíveis, fortes na segurança altiva da nossa consciência, continuámos na nossa propaganda, que tínhamos, e temos, como muito mais moralizadora e muito mais honesta do que o bichanar pecados diante das rótulas do confessionário.

De resto, sempre o dissemos, a quem repugnar um segundo casamento civil, para não ir de encontro aos preceitos de Roma, que não se case, mas não queira impedir que os outros legalizem uniões que não deixam de se fazer, lançando a sociedade na mais absoluta confusão.

Os intransigentes mantenham-se firmes na altivez do seu protesto, mas deixem caminhar os que não estão já bem nesse lugar de obediência passiva aos dogmas.

Assim falámos sempre, contando que a República, e só ela, ouviria os nossos protestos e razões. 

A República veio, finalmente! E, com a República, algumas leis que mais necessárias se tornavam para que o país pudesse seguir a sua marcha triunfal para a civilização.

Temos, pois, a lei do divórcio, e, dentro das formas legislativas, uma das melhores, das mais liberais.

Todos ficámos satisfeitos, principalmente aqueles que viram assim triunfantes as suas ideias, frutificando a sua propaganda.

Mas quem ficou mais satisfeito e quem mais alvoroçadamente correu ao advogado, uma hora depois da lei publicada, de procuração em punho, reclamando o rompimento das cadeias que o vexavam, abençoando a obra magnífica da República triunfante, sabem quem foi?...

Um redactor do extinto «Portugal», desse mesmo «Portugal» cristianíssimo que nos criticou piedosamente, com sumo agrado de beatas e fradaria triunfante, por reclamarmos, em nome da moral social, a lei do divórcio.

E digam lá que a coerência, a lógica e a honestidade não existiam, imaculadas, no partido monárquico e católico que em nome da nossa razão e da nossa consciência atacámos, sem medo, na oposição, e não deixaremos de combater hoje, e sempre, na certeza de que não é – como alguns afirmam – uma seita morta, mas apenas atordoada com o choque que foi rude e inesperado.».

[O Radical || 13/11/1910]

[João Esteves]

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